A crise econômica global não impedirá que os países do grupo dos BRIC estejam entre as maiores economias do mundo, segundo afirma o próprio autor do conceito dos BRICs, Jim O’Neill, economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs.
Para ele, a crise pode até mesmo acelerar as mudanças na economia global que garantirão a Brasil, Rússia, Índia e China ocupar um lugar de destaque entre as potências mundiais já em 2020.
Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, O’Neill afirma que em 2020 a China, por exemplo, poderá estar próxima de disputar com os Estados Unidos o posto de maior economia do mundo. Segundo ele, os demais países dos BRIC s poderão ter economias de tamanho equivalente à de países como Alemanha, França ou Reino Unido.
Para O’Neill, até 2020 a grande massa de consumo do mundo estará nas economias dos BRICs.
O’Neill afirma ainda que as previsões que fez em 2001 sobre o crescimento da economia dos países do grupo eram conservadoras e por isso não são afetadas por um eventual período de baixo crescimento, como o atual:
“Nós assumimos que os países BRICs teriam ciclos econômicos, e isso é o que acontece agora. Então, nossa projeção de longo prazo não é afetada de nenhuma maneira”, diz.
Leia abaixo a íntegra da entrevista que O’Neill concedeu à BBC Brasil em Londres:
BBC Brasil: Como a crise global está afetando os BRICs?
Jim O’Neill: A crise é tão grave que está afetando negativamente todo mundo, incluindo os BRICs. Mas entre os BRICs temos que olhar especificamente para cada um, porque os aspectos da crise são diferentes.
Para resumir de maneira simples, quase sem dúvida a Rússia vai sofrer mais, e o Brasil em seguida, por serem produtores de commodities. A China parece estar lidando melhor com a crise, apesar do fato de ser um grande exportador. E a Índia está um pouco atrás. Então, a China parece estar na situação menos grave e a Rússia na mais grave.
BBC Brasil: A crise altera em algo sua previsão inicial de que os quatro países devem se tornar até 2050 economias-chave e juntos ultrapassarem em tamanho o atual G-7?
O’Neill: De maneira nenhuma. Acho interessante que me perguntem tanto sobre isso. Se você olhar com cuidado para as projeções que usamos em 2003 e depois para as atualizações que fizemos depois disso, verão que elas eram muito conservadoras.
Por exemplo, partimos da premissa que no longo prazo a China cresceria 5,8%, e até essa crise a China vinha crescendo o dobro disso. Mesmo com a crise, o consenso sobre o crescimento da China para este ano é de 7%.
Nós estimamos que os países BRICs teriam ciclos econômicos, e isso é o que acontece agora. Então, nossa projeção de longo prazo não é afetada de nenhuma maneira.
Na verdade, creio que se a China já estiver mesmo começando a se recuperar do impacto da crise, pode ser que a crise acelere a velocidade da mudança na economia mundial.
BBC Brasil: Como o senhor vê os BRICs em 2020?
O’Neill: A China já ultrapassou a Alemanha e se tornou a terceira maior economia do mundo, curiosamente no momento exato em que havíamos previsto que isso aconteceria. A grande questão é se na próxima década (a China) vai ultrapassar o Japão e o quão perto vai estar dos Estados Unidos, em 2020. Poderá estar bem perto.
A grande questão para os outros três países será o quanto estarão perto, em 2020, das principais economias européias. Acho que é bem possível que estejam próximos.
Cada um tem algo em seu favor.
A Índia tem essa enorme vantagem demográfica. O Brasil, como tem sido demonstrado por esta crise, conta com uma estrutura macroeconômica que fornece uma ótima base em termos de política econômica. A Rússia é a que parece mais vulnerável, devido à sua excessiva dependência de energia e à ausência de mudanças, ou de qualquer prova de mudanças internas.
Acho que para 2020, a questão para os três países é saber se o tamanho de suas economias vai estar próximo das de Alemanha, França ou Reino Unido. E para a China se estará próxima dos EUA.
BBC Brasil: Estes países precisarão de reformas para chegar a 2020 nessas condições ou podem continuar com seus atuais modelos de desenvolvimento?
O’Neill: Acho que isso precisa ser analisado individualmente.
Acho que o Brasil é possivelmente o que está mais bem posicionado, em termos de mudanças necessárias para cumprir as previsões que fizemos para 2050, ou para o que eu disse sobre 2020. O Brasil tem em muitos sentidos mais atributos de um país desenvolvido em termos de suas políticas e de sua sociedade. Provavelmente o que tem de fazer é tirar o governo do caminho e deixar o setor privado fazer mais.
A Índia precisa parar de pensar que simplesmente merece ser um grande país só porque tem uma população grande, ou porque alguém como eu sonhou com esta sigla BRICs. A Índia precisa continuar com as mudanças, melhorar a eficiência de seu governo, tanto nos Estados quando no nível federal. E quanto mais tempo levar para isso acontecer, mais difícil será para conseguir cumprir as projeções.
A China tem a questão do regime de partido único, mas curiosamente, eu diria, de maneira provocativa, que a emergência desta crise mostrou que (o regime de partido único) parece permitir à China lidar com muitos dessas questões complexas de maneira mais fácil do que muitas democracias. Acho que em algum ponto no futuro a China terá que mudar, mas não estou seguro de que o sistema chinês imponha qualquer limitação no que se refere à economia.
E, finalmente, a Rússia terá que mudar. Esta crise demonstrou que a Rússia é de longe muito dependente de um grande produto, que é o petróleo. A Rússia precisa se afastar disso.
BBC Brasil: O senhor afirmou que a China precisa resolver a questão do regime de partido único. O senhor acredita que exista uma relação entre os sistemas políticos desses quatro países e sua capacidade de crescimento?
O’Neill: Desde o início eu disse que era muito duvidosa a idéia de que a China não poderia atingir nossas previsões sem mudar radicalmente seu sistema político. Se você observar, na metade de 2009, sete anos após eu ter criado o termo BRICs, verá que a China tem conseguido lidar muito bem com muitos choques que a acometeram.
Então, apesar de muitos de nós no Ocidente não gostarem do sistema político da China, não está claro para mim que a população chinesa não esteja feliz com ele. É uma coisa muito polêmica de se dizer, mas os chineses parecem capazes de manter esse sistema e manter um caminho de desenvolvimento com o qual a maioria parece estar satisfeita.
Estou seguro de que isso não vai ser assim para sempre, mas se considerarmos 2020, é perigoso esperar que aconteçam grandes mudanças, ou que exista necessidade de grandes mudanças.
BBC Brasil: O senhor acha que a democracia está atrasando o desenvolvimento do Brasil ou da Índia?
O’Neill: Se você comparar o modelo da China ao da Índia e observar que a China tem crescido nos últimos 20 anos mais do que a Índia, apesar de a demografia da Índia ser muito mais favorável, verá claramente que há algo na China mais bem sucedido do que na Índia.
Apesar de a democracia indiana ser uma coisa maravilhosa, que todos amamos e da qual os indianos têm tanto orgulho, suspeito que ela não funcione muito bem em termos de mudanças de política econômica. A Índia precisa manter sua democracia, mas também precisa encontrar uma maneira para fazer com que ela funcione de forma mais eficiente. É quase como se em determinados momentos a democracia indiana sufocasse a Índia.
Eu comumente brinco com autoridades indianas sobre esta eleição que está a caminho. Digo que enquanto eles estiveram esperando a vinda dessa eleição, ao longo de um ano ou mais, a China efetivamente produziu o equivalente a meia Índia.
Então, a menos que eles consigam sair desta eleição com um sistema de governo mais eficiente, vai haver cada vez mais sinais de que a democracia indiana é de fato boa demais, porque efetivamente impede a tomada de decisões.
Não acho que poderíamos dizer o mesmo sobre o Brasil, mas se olharmos a China e a Índia, há contrastes muito interessantes sobre sua forma de governo e sobre sua capacidade de crescer.
BBC Brasil: Os países do BRIC podem ser o motor da recuperação e do crescimento da economia mundial no futuro próximo?
O’Neill: Acho que se olharmos o que vem acontecendo nos últimos seis meses veremos que há uma grande desaceleração em todo lugar. Mas se olharmos as contribuições para o consumo global, veremos que os BRICs foram as únicas economias significativas que fizeram uma contribuição positiva.
Meu grupo tem analisado dados que mostram que o chamado descolamento entre os Estados Unidos e as economias dos BRIC está ocorrendo. O consumo nos Estados Unidos ficou negativo, muito negativo, mas ainda há crescimento no consumo na maioria dos BRICs.
De acordo com dados de fevereiro, o consumo na China, a economia mais importante do grupo, está crescendo em termos reais em 15,5% ao ano. Então há uma contribuição significativa (da China) para o crescimento do resto do mundo.
E acho que isso vai crescer conforme chegarmos mais próximos a 2020. Vai se tornar claro, quando entrarmos na próxima década, que a grande massa de consumo no mundo estará nas economias BRICs.
BBC Brasil: Uma questão em comum entre os quatro países é a grande disparidade entre ricos e pobres. É possível ter um alto nível de crescimento e ao mesmo tempo distribuir renda?
O’Neill: Eu também questiono alguns aspectos dessa tese. Se você observar o que aconteceu na China ao longo da última década, ou um pouco mais, verá que eles provavelmente tiraram da pobreza 400 milhões de pessoas.
Então, enquanto na China há um pequeno grupo de pessoas que se tornaram incrivelmente ricas, há sinais de que vimos – pela primeira vez no mundo em décadas – uma queda de fato na diferença entre renda e pobreza.
A Índia tem evidências semelhantes, apesar de menos que a China.
E como o presidente Lula disse sobre o Brasil recentemente, num artigo no Financial Times, há sinais disso por lá também. Isso é muito interessante, porque a percepção comum é de que as diferenças de renda estão aumentando. Mas particularmente na China essa percepção não é verdadeira.
BBC Brasil: No último ano houve alguns sinais da possível formação de um grupo político unindo os quatro países BRICs, com uma reunião ministerial realizada em 2008 e uma possível reunião de cúpula ainda em 2009. A formação de um grupo político como esse ajudaria no crescimento econômico desses países?
O’Neill: Para mim, como criador da sigla, seria fantástico vê-los como um grupo político. Mas de uma perspectiva global, o que é realmente importante é que as economias dos BRICs sejam mais bem representadas na liderança do FMI, no Banco Mundial, e que o G-20 (no qual os quatro países estão representados) se torne o principal ponto focal de decisões políticas e econômicas do mundo, em vez de somente o G-7 ou o G-8.
Acho que se eles não forem inseridos na melhor estrutura possível para tomada de decisões, então se reunirão mais e mais formando seu próprio clube.
Acredito que a reunião de cúpula do G-20 em Londres vai definir uma nova era, na qual esses países estarão no centro das decisões que estão sendo tomadas sobre o mundo. Acho que é um progresso fantástico.
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